quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Confete dourado - Ruy Castro

RIO DE JANEIRO - Entre vários lotes fascinantes, o catálogo do leilão de colecionismo oferecia uma caixinha contendo "confete dourado do Carnaval carioca de 1919". Era o que eu queria. Primeiro, pelo confete dourado -nunca tinha visto. Segundo, pelo Carnaval de 1919, sobre o qual Nelson Rodrigues escreveu crônicas memoráveis.
Foi o Carnaval seguinte à "Espanhola", a gripe trazida aos portos brasileiros em 1918 pelos navios vindos da Europa -dizia-se que a causa eram os mortos insepultos na recém-finda Grande Guerra- e que, apenas no Rio, em 15 dias de outubro, matou 15 mil pessoas numa população de 1,2 milhão de habitantes. Quando a gripe foi embora, a cidade, aos poucos, voltou às ruas e, quatro meses depois, entregou-se perdidamente ao Carnaval -quem sabe se haveria outro?
Nelson contou que, ali, aos sete anos, num buquê de mulheres pintadas e em carro aberto, ele viu uma odalisca loura e de umbigo de fora. Imaginei a odalisca de Nelson atirando e recebendo no rosto aqueles confetes dourados. Dei um lance por telefone e, dias depois, recebi a caixinha que havia arrematado.
Os confetes eram as rodelinhas de sempre, só que em papel laminado, amarelo. Se vieram do Carnaval de 1919, tenho de me fiar no leiloeiro, o qual reproduziu as informações que lhe foram dadas pelo proprietário original do confete. Mas quem mentiria para ele de forma tão específica?
Mais intrigante, para mim, era o que estava escrito na tampa, com aquela caligrafia, ortografia e tinta típicas do passado: "Estes confetes Angelo me deu n'um Carnaval quando eramos noivos. Sylvia. Rezem por nós".
Lindo, não? Mas o que me esmagou foi o "Rezem por nós". Como se Sylvia pedisse proteção (para ela e para Angelo) por pecados talvez cometidos naquele Carnaval de 1919 e que poderiam condená-los a um terrível destino.
Na Folha de São Paulo de hoje em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2212201005.htm

Mais sobre o Carnaval de 1919 e a gripe espanhola no artigo "O Carnaval, a peste e a 'espanhola'" de Ricardo Augusto dos Santos disponível em http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v13n1/08.pdf.

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