segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Zureta na Apple - Rui Castro

RUY CASTRO

Zureta na Apple


RIO DE JANEIRO - Há pouco, em Nova York, vi-me dentro da famosa loja da Apple, em forma de cubo, perto do parque. Estava lá para fazer o que só o amor paterno justifica: comprar um certo modelo de iPod pedido pela filha. Foi a hora mais angustiante de minha vida.
Na loja, pequena para a quantidade de gente ali dentro, centenas de pessoas (de todos os sotaques, cores e idades) disputavam a cotoveladas o privilégio de comprar as últimas engenhocas eletrônicas produzidas pelo gênio humano -que, além do miraculoso iPod que eu buscava, não sei muito bem quais eram. Não ligo para multidões ou recintos fechados, e não era isso que me incomodava- mas o açodamento daquela turma para comprar geringonças sem as quais já não se pode viver.
Ouço dizer que, outro dia, no lançamento do iPad (iPad, não iPod) numa grande loja em São Paulo, pessoas dormiram na fila para serem as primeiras a comprar a caranguejola. No Rio, no Carnaval, há os que se submetem a isso para comprar ingressos para os desfiles das escolas de samba -porque eles logo se esgotam. Mas não deve ser o caso de um produto feito para vender milhões.
Ou seja, para elas, tanto fazia comprar o iPad naquele dia quanto encomendar pelo velho reembolso postal e esperar um mês pela entrega -não faltará mercadoria. Donde devo concluir que o importante não era ter o equipamento para usar, mas a primazia na sua posse, o fato de já ter um antes dos outros, de ser o primeiro no prédio, condomínio, clube ou escritório.
Saí da Apple e, ainda meio zureta, achei-me diante da Rizzoli, a linda livraria da Rua 57. Entrei, aliviado. Algumas pessoas folheavam livros. Outras falavam baixinho. Não havia fila no caixa. Ninguém se estapeava para ser o primeiro a comprar a autobiografia de Mark Twain, recém-lançada. Era um mundo antigo, de silêncio e paz.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0612201005.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário